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MOMENTOS DIFÍCEIS PARA O CULTOR DO DIREITO

Publicado 14/10/22 por Franceschini e Miranda Advogados.

José Inácio Gonzaga Franceschini

Por meio do OFÍCIO 8333/GAB-PRES/CADE, de 13.10.22, o Presidente do Cade, ALEXANDRE CORDEIRO MACEDO, pelo qual “determinou” à Superintendência-Geral que promovesse a abertura de Inquérito Administrativo para apuração de responsabilidade dos institutos de pesquisa eleitoral, IPEC, DATAFOLHA e IPESPE, por ação coordenada e “regulação de mercado e dos consumidores”. Segundo a Representação, em resumo e no útil, os institutos enunciados, no primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, teriam cometido, de forma semelhante, equívocos significativos, muito acima das margens de erro, que favoreceriam o candidato Lula (que foram depois desmentidos pelos resultados das urnas), assim podendo induzir o eleitor desavisado a erro.
Estar-se-ia, segundo se disse, diante de “indícios de que os erros não sejam casuísticos e sim intencionais por meio de uma ação orquestradas (sic) dos institutos de pesquisa na forma de cartel para manipular em conjunto o mercado e, em última instância, as eleições”.
O primeiro dos múltiplos problemas é que, embora sem maior efeito prático, senão sintomático quanto à visão que se tem no Cade quanto à sujeição do órgão à Lei Concorrencial, e independentemente do mérito da iniciativa, nula foi a “determinação”.
O fato é que não só não está a Superintendência-Geral (nem mesmo o Superintendente-Geral ) subordinada hierarquicamente ao Presidente, como também sequer tem o Presidente do Cade (à luz art. 10, da Lei Concorrencial) competência para “determinar” à SG a abertura do procedimento. Poderia, quando muito, “solicitá-la”, como aliás indiretamente o fez, fundado que está o ofício no art. 66, § 1º, da Lei de Regência.
Vigorando no País o sistema acusatório (art. 129, inc. I, da CF/88), é a SG o dominus litis da ação persecutória administrativa, podendo acolher ou não a Representação por seus fundamentos ou por conter peças informativas sobre indícios de infração à ordem econômica. O Presidente do Cade, no caso, não é mais do que um “qualquer interessado”.
Nos termos do art.66, § 3º, da LDC, apenas as Representações de Comissão do Congresso Nacional ou de qualquer de suas Casas, bem como da Seae/ME, das agências reguladoras e da Procuradoria Federal junto ao Cade, ex vi legis, se revestem de caráter cogente perante a SG no sentido de instauração, sem mais, de Inquérito ou de Processo Administrativo.
Não obstante a plausibilidade dos fatos descritos no ofício (mesmo porque recorrentes, verificáveis em vários outros períodos eleitorais), que seriam objeto de investigação, a realidade é que, além da nulidade da determinação, por incompetência do agente, o Cade não tem competência, ratione materiae, para conhecer da matéria que é ictu oculi eleitoral. Não se consegue ver a que “mercado” o dito Ofício se refere (voto não é objeto de mercancia, sendo a compra de votos crime eleitoral – art. 299 do Código Eleitoral), sendo “as eleições” o declarado objeto jurídico protegido, em ultima ratio.
Os crimes eleitorais, tais como de divulgação de fatos inverídicos (art. 323 do Código Eleitoral – Lei 4.737, de 15.07.1965) e de falsidade ideológica eleitoral (art. 350 do Código Eleitoral), são da competência exclusiva da Justiça Eleitoral, mais precisamente aos Juízes Eleitorais, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos tribunais regionais (art. 35, inc. II, do Código Eleitoral).
Nos termos da Resolução 23.600 do TSE (Instrução Normativa 0600742-06.2019.6.00.0000 – Classe 11544— BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL, de que foi Relator o Ministro Luís Roberto Barroso), compete à Justiça Eleitoral a fiscalização de entidades de pesquisa, sendo que (art. 18 do normativo) “a divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais) (Lei n° 9.504/1 997, arts. 33, § 41, e 105, § 20)”.
A reação a essa clara usurpação de competência, porém, se fez presente mediante outras e talvez mais graves ilegalidades.
Mediante Despacho (sequer numerado) de 13.10.2022 (ou seja, de mesma data do Ofício do Presidente do Cade), tendo por Interessados o Ministério da Justiça e Segurança Pública – MJSP e o Cade. o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro ALEXANDRE DE MORAES, sob o argumento de “evidente usurpação da competência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL”, com alegação de possível desvio de finalidade e abuso de poder por parte do Presidente do Cade, ex officio, instaurou procedimento e por, ato próprio, de imediato decidiu tornar sem efeito o quanto determinado no referido Ofício “POR INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA” do órgão prolator e (questionável) “AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA” (as caixas-altas são do original). Determinou-se o cumprimento da ordem “com urgência”.
Afora a inusitada e surpreendente presteza, não verificável em outros casos levados ao conhecimento da Corte, mesmo de intensa gravidade, o Despacho padece de vícios semelhantes aos do referido Ofício, sendo assim igualmente nulo de pleno direito.
Ofende, inicialmente os princípios da demanda ou inércia judicial (ne procedat iudex ex officio) (art. 2º do CPC) e, antes dele, dos constitucionais do juízo natural, assecuratório da imparcialidade do julgador (art. 5º, inc. LIII, CF/88) e da vedação dos tribunais de exceção (art. 5º, inc. XXXVII), além do sistema acusatório, que garante a separação das funções de acusar o julgar. Afrontou-se, mais, o devido processo legal, dado que, subscrito o Despacho de seguida ao ato de instauração do procedimento, foi proferida decisão monocrática terminativa (não cautelar) inaldita altera pars. E tudo por agente incompetente, posto que a iniciativa não consta dentre as competências do Presidente do TSE.
O Despacho busca amparo no “poder de polícia, disciplinado no art. 23 do Código Eleitoral”, mas neste dispositivo, que aliás não disciplina a competência do Presidente, individualmente considerado, mas do Tribunal Superior, também não se lê tal atribuição. É mais do que evidente que a competência para conhecer e julgada da matéria, após ser devidamente provocado por quem tenha legitimidade ativa, é do Juiz Eleitoral (art. 35, inc. II, do Código Eleitoral)
Em suma, o incidente revela verdadeira panaceia jurídica, festival de ilegalidades e de possíveis abusos de poder, em que o Direito, em geral, e o Concorrencial, em especial, são vítimas indefesas de momentos de absoluta insegurança jurídica a merecer os cuidados de carpideiras.

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Art. 2º do CPC: “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.

Art. 5º, inc. LIII, da CF/88: “LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Art. 5º, inc. XXXVII, da CF/88: “XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

Art. 35, inc. II, do Código Eleitoral: “Art. 35. Compete aos juízes: (…); II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos tribunais regionais”.



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